A morte de uma paciente aumentou meu sótão. Quando ela partiu
(a idade a levou), fiquei em seu velório um tempo, em pé, perdida. Não
sou da família, tampouco amiga, a única pessoa ali com quem eu falaria
seria ela própria. Provavelmente comentaríamos a bonita despedida que
estava recebendo, mas creio que ela sabia que seria assim. O problema é
que fiquei com as lembranças que ela deixou em mim e sei que ela nunca
mais vai buscá-las. É assim com meu trabalho de psicanalista: guardamos
milhares de histórias, personagens, sonhos, que em geral ficam ali,
empoeirados. Não quer dizer que fico pensando nisso, aí não seria sótão,
seria cristaleira: aquelas coisas que se tira o pó, usa-se em ocasiões
festivas, olha-se de vez em quando. Sótão é para guardar as coisas que
se tornaram inúteis, não se quer mais, mas tampouco ousaríamos jogar
fora.No último filme da série Toy Story, o
menino que é dono dos brinquedos protagonistas cresceu, vai para a
faculdade e precisa liberar seu quarto. O destino dos brinquedos mais
apreciados seria o sótão. Por peripécias da trama eles se perdem, acabam
descartados e encontram um destino feliz nas mãos de uma garotinha. Mas
há uma pequena cena que deixa claro quem é o verdadeiro sótão: a mãe do
rapaz. É ela que ficará com as memórias da infância dele, as quais
serão buscadas, talvez, quando ele se tornar pai. Ela entra no quarto
esvaziado, olha em volta, e mesmo num filme de animação é possível
perceber seu desamparo. Provavelmente não era só o dela, era o meu que
estava vendo, pois também estou com filhas crescidas, saindo das mais
diversas formas. Atrás delas ficam brinquedos, livros infantis, pôsters
de filmes, cuidados maternos agora desnecessários. Definitivamente, os
pais são o sótão dos filhos.
Memórias são diferentes de lembranças de viagem, álbuns de ocasiões
festivas, que ficamos tentando mostrar para pobres pessoas que fingem
que se interessam. Memórias são matéria de sótão, lugar destinado ao que
já foi significativo, mas que não se usa mais. Onde colocar, por
exemplo, as lembranças de um casamento que acabou? São imagens e
pensamentos que ficam na vã esperança, de um resgate, como os brinquedos
do menino teriam ficado se fossem para lá. Guardar tudo isso não é
voluntário, nem mesmo útil, já que minha paciente não vai mais usar suas
histórias e talvez meus netos nunca se interessem pelos Playmobil que
encaixotamos.
É engraçado que amadurecendo costumamos nos queixar de que ficamos
mais esquecidos. Deve ser porque o sótão ocupa cada vez mais espaço. Mas
pobre daquele que não o tem.
Diana Corso-O sótão
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