terça-feira, 20 de outubro de 2009

suposta existência

 
Estou lendo Mario Sergio Cortella: ”Não espere pelo epitáfio...provocações filosóficas”...pois ele me provocou mesmo com suas crônicas. Lá pelas tantas, fala sobre ilusionismos, a existência efetiva do real, na incerteza naquilo que vemos, experimentamos, pensamos ou sentimos existe de fato. Quantos de nós já passou, inúmeras vezes, por situações que depois se percebeu que não era o que parecia ser? Em novelas, livros, filmes e ficções, a gente fica abismado em saber como os personagens não percebem o engano tão banal.Mas na vida real, a coisa surge com tanta verocidade que permanecemos no ilusionismo por muito tempo, e se patetear, muitas vezes, perdemos momentos, pessoas, amizades, por esse engano de julgamento. Haja luz! E foi aqui neste livro, que li a “suposta existência” de Carlos Drummond de Andrade, que compartilho 



 Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?

O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto
depois de sepultados,
nós, sozinhos
no quarto sem espelho?

Que fazem, que são
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos - e algum dia
o serão?

Estrela não pensada,
palavra rascunhada no papel
que nunca ninguém leu?
Existe, existe o mundo
apenas pelo olhar
que o cria e lhe confere
espacialidade?

Concretitude das coisas: falácia
de olho enganador, ouvido falso,
mão que brinca de pegar o não
e pegando-o concede-lhe
a ilusão de forma
e, ilusão maior, a de sentido?

Ou tudo vige
planturosamente, à revelia
de nossa judicial inquirição
e esta apenas existe consentida
pelos elementos inquiridos?
Será tudo talvez hipermercado
de possíveis e impossíveis possibilíssimos
que geram minha fantasia de consciência
enquanto
exercito a mentira de passear
mas passeado sou pelo passeio,
que é o sumo real, a divertir-se
com esta bruma-sonho de sentir-me
e fruir peripécias de passagem?

Eis se delineia
espantosa batalha
entre o ser inventado
e o mundo inventor.
Sou ficção rebelada
contra a mente universa
e tento construir-me
de novo a cada instante, a cada cólica,
na faina de traçar
meu início só meu
e distender um arco de vontade
para cobrir todo o depósito
de circunstantes coisas soberanas.

A guerra sem mercê, indefinida
prossegue,
feita de negação, armas de dúvida,
táticas a se voltarem contra mim,
teima interrogante de saber
se existe o inimigo, se existimos
ou somos todos uma hipótese
de luta
ao sol do dia curto em que lutamos.

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