Pessoas
mudas escrevem pra falar. Analfabetos aprendem a escrever. Pessoas sem
braços escrevem com os pés. Os surdos escrevem no ar com gestos. Os
cegos escrevem com a voz no escuro. Pessoas que esquecem escrevem
listas. Canhotos escrevem com a mão esquerda. Pessoas distantes escrevem
cartas. O tempo escreve no rosto rugas. Nas palmas linhas, nas pintas
pontos. E nas estrelas cadentes. E nas cadeias escrevem nas paredes. E
nas carteiras de escola. Neurônios escrevem na memória. Os genes
escrevem nos corpos vivos. A chuva que escorre escreve nos vidros. E os
dedos nos embaçados. E nas cavernas traçados de antepassados. Bisontes,
flechas, humanos, arcos. E os médicos nas receitas. Orientais usam
outras letras. De cima a baixo, nas verticais. E começando sempre por
trás. Nos livros, placas e nos mangás. Escreventes, escrivães,
escritores, escribas. Uns tomam notas pra se lembrar. Uns fazem livros
pra ser lembrados. Passos escrevem no chão com rastros. Corvos espalham
nanquim no alto. Galinhas grafam bicando o chão. Migalhas fazem frases
do pão. Palavras ditas morrem no ar. Em pedra escrevem nomes dos mortos.
E em placas de rua. E quando o texto acaba a escrita continua.
Arnaldo Antunes in N.d.a
Arte de Wendy Ng
nenhuma das alternativas
me seduz -
nem a voz do deserto
nem a mão que conduz
nem o sonho desperto
nem o lustro da luz
nenhuma das alternativas
me convence -
nem a bola que rola
nem o time que vence
nem a chuva que chora
nem a água que benze
nenhuma das alternativas
me desperta -
nem a borda que alarga
nem a corda que aperta
nem a boca que amarga
ou o açúcar que empedra...
me seduz -
nem a voz do deserto
nem a mão que conduz
nem o sonho desperto
nem o lustro da luz
nenhuma das alternativas
me convence -
nem a bola que rola
nem o time que vence
nem a chuva que chora
nem a água que benze
nenhuma das alternativas
me desperta -
nem a borda que alarga
nem a corda que aperta
nem a boca que amarga
ou o açúcar que empedra...
Arnaldo Antunes
Nenhum comentário:
Postar um comentário