Arte de Lou Shabner
"O rosto da
mulher madura entrou na moldura de meus olhos.
De repente,
a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras
vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo
no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso
esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri
ou de Anouke Aimé.
Há uma
serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando
se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe
ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um
nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados.
Enfim, desborda.
A mulher
madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno
de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os
objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as
coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o
mundo.
A mulher
madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco,
inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
A adolescente,
com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos
olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E
até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um
oboé sobre a campina do leito.
A boca da
mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e
abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha
para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos
são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina
de setembro e abril.
O corpo da
mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em
sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste
possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens,
decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que
falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os
mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade
também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se
perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom
tristeza.
Na verdade,
talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior.Talvez
a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também
algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa
dupla: um jogo de espelhos revelador.
Cada idade
tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago
de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo.
Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do
próprio corpo.
A mulher
madura está pronta para algo definitivo.
Merece, por
exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com
o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher
madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia.
Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto,
pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As joias brotaram de
seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se
fossem prendas do tempo.
A mulher
madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando
as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos
parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos
escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não
sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul
Newman, quando nos seus filmes.
Sobretudo,
o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em
não espera-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta
para quem a souber amar."
Affonso Romano de Sant’Anna in: "A Mulher Madura"
Nenhum comentário:
Postar um comentário