domingo, 28 de outubro de 2012

a todos os sapos que foram transformados por feitiços de crença, ilusão e medo




Arte de Morgan Weistling


"O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um universo inteiro... Tudo adormecido... O que vai acordar é aquilo que a Palavra vai chamar... Nossos corpos são feitos de palavras... Assim, podemos ser príncipes ou sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou monoculturas..."

Rubem Alves - "A alegria de ensinar"



O Sapo

Rubem Alves
(do livro "A Alegria de Ensinar", Ed. Papirus)

Era uma vez um lindo príncipe por quem todas as moças se apaixonavam. Por ele também se apaixonou uma bruxa horrenda que o pediu em casamento. O príncipe nem ligou e a bruxa ficou muito brava. "Se não vais casar comigo não vai se casar com ninguém mais!" Olhou fundo nos olhos dele e disse: " Você vai virar um sapo!"Ao ouvir essa palavra o príncipe sentiu uma estremeção. Teve medo. Acreditou. E ele virou aquilo que a palavra de feitiço tinha dito. Sapo. Virou um sapo.
Bastou que virasse sapo para que se esquecesse de que era príncipe. Viu-se refletido no espelho real e se espantou: " Sou um sapo. Que é que estou fazendo no palácio do príncipe? Casa de sapo é charco.". e com essas palavras pôs-se a pular na direção do charco. Sentiu-se feliz ao ver a lama. Pulou e mergulhou. Finalmente de novo em casa.
Como era sapo, entrou na escola de sapos para aprender as coisas próprias de sapo. Aprendeu a coaxar com voz grossa. Aprendeu a gostar do lodo. Aprendeu que as sapas eram as mais lindas criaturas do universo. Foi aluno bom e aplicado. Memória excelente. Não se esquecia de nada. Daí suas notas boas. Até foi o primeiro colocado nos exames finais, o que provocou a admiração de todos os outros sapos, seus colegas ,aparecendo até nos jornais.Quanto mais aprendia as coisas de sapo, mais sapo ficava. E quanto mais aprendia a ser sapo, mas se esquecia de que um dia fora príncipe. A aprendizagem é assim: para se aprender de um lado há de esquecer do outro. Toda aprendizagem produz o esquecimento. (...)
Aqui no "Espaço do Educador", que este texto seja em homenagem a todos os sapos da Natureza e a todos os sapos que foram transformados por feitiços de crença, ilusão e medo, mas que podem SE transformar no que quiserem,quando descobrirem QUEM realmente são (príncipes, aventureiros, atletas, escritores, artistas...).
Aprender é desaprender. Há coisas que precisamos desaprender e outras que precisamos tomar cuidado pra não perder. Como educadores, teremos a delicadeza de não permitir que nossas crianças desaprendam coisas essenciais à vida e à felicidade.
Na experiência que fiz com este texto, num encontro de mocidades, contei a história e depois eles foram convidados a pegar uma folha de papel, dividir ao meio e escrever no alto, de um lado "sapo", de outro, "príncipe" ou "princesa". Depois, num diálogo consigo mesmos, escreveram sobre seus momentos-sapos e seus momentos-princesas e conversaram entre si.
Em quantos feitiços bobos temos acreditado? Pense nisso: "Qualquer coisa que você possa fazer ou sonhar, você pode começar. A coragem contém em si mesma a força e a magia." Göethe

(crônica de Rubem Alves)





CAPÍTULO 5 – O SAPO

O príncipe que virou sapo e que voltou a ser príncipe. A partir de uma conhecida estória infantil, mais uma, o autor inteligentemente articula o conceito de esquecer para lembrar. Na medida em que o príncipe, que sabia o que é ser príncipe, vira sapo, aprende o que ser sapo esquecendo o que é ser príncipe e finalmente, sentindo necessidade de mudar novamente, quebra o encanto e volta a ser um príncipe o autor metaforicamente nos mostra quão importante é esquecer para aprender. A partir desta reflexão o autor conclui com uma discussão sobre a importância da palavra, aprendida e esquecida, na formação do indivíduo.

 

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