Arte de Morgan Weistling
"O corpo é o lugar fantástico onde mora, adormecido, um
universo inteiro... Tudo adormecido... O que vai acordar é aquilo que a Palavra
vai chamar... Nossos corpos são feitos de palavras... Assim, podemos ser
príncipes ou sapos, borboletas ou lagartas, campos selvagens ou
monoculturas..."
Rubem Alves - "A alegria de ensinar"
Rubem Alves - "A alegria de ensinar"
O Sapo
Rubem Alves
(do livro "A Alegria de Ensinar", Ed. Papirus)
(do livro "A Alegria de Ensinar", Ed. Papirus)
Era uma vez um lindo príncipe por quem todas as moças se
apaixonavam. Por ele também se apaixonou uma bruxa horrenda que o pediu em
casamento. O príncipe nem ligou e a bruxa ficou muito brava. "Se não vais
casar comigo não vai se casar com ninguém mais!" Olhou fundo nos olhos
dele e disse: " Você vai virar um sapo!"Ao ouvir essa palavra o
príncipe sentiu uma estremeção. Teve medo. Acreditou. E ele virou aquilo que a
palavra de feitiço tinha dito. Sapo. Virou um sapo.
Bastou que virasse sapo para que se esquecesse de que era
príncipe. Viu-se refletido no espelho real e se espantou: " Sou um sapo.
Que é que estou fazendo no palácio do príncipe? Casa de sapo é charco.". e
com essas palavras pôs-se a pular na direção do charco. Sentiu-se feliz ao ver
a lama. Pulou e mergulhou. Finalmente de novo em casa.
Como era sapo, entrou na escola de sapos para aprender as
coisas próprias de sapo. Aprendeu a coaxar com voz grossa. Aprendeu a gostar do
lodo. Aprendeu que as sapas eram as mais lindas criaturas do universo. Foi
aluno bom e aplicado. Memória excelente. Não se esquecia de nada. Daí suas
notas boas. Até foi o primeiro colocado nos exames finais, o que provocou a admiração
de todos os outros sapos, seus colegas ,aparecendo até nos jornais.Quanto mais
aprendia as coisas de sapo, mais sapo ficava. E quanto mais aprendia a ser
sapo, mas se esquecia de que um dia fora príncipe. A aprendizagem é assim: para
se aprender de um lado há de esquecer do outro. Toda aprendizagem produz o
esquecimento. (...)
Aqui no "Espaço do Educador", que este texto seja
em homenagem a todos os sapos da Natureza e a todos os sapos que foram
transformados por feitiços de crença, ilusão e medo, mas que podem SE
transformar no que quiserem,quando descobrirem QUEM realmente são (príncipes,
aventureiros, atletas, escritores, artistas...).
Aprender é desaprender. Há coisas que precisamos desaprender
e outras que precisamos tomar cuidado pra não perder. Como educadores, teremos
a delicadeza de não permitir que nossas crianças desaprendam coisas essenciais
à vida e à felicidade.
Na experiência que fiz com este texto, num encontro de
mocidades, contei a história e depois eles foram convidados a pegar uma folha
de papel, dividir ao meio e escrever no alto, de um lado "sapo", de
outro, "príncipe" ou "princesa". Depois, num diálogo
consigo mesmos, escreveram sobre seus momentos-sapos e seus momentos-princesas
e conversaram entre si.
Em quantos feitiços bobos temos acreditado? Pense nisso:
"Qualquer coisa que você possa fazer ou sonhar, você pode começar. A
coragem contém em si mesma a força e a magia." Göethe
(crônica de Rubem Alves)
CAPÍTULO 5 – O SAPO
O príncipe que virou sapo e que voltou a ser príncipe. A
partir de uma conhecida estória infantil, mais uma, o autor inteligentemente
articula o conceito de esquecer para lembrar. Na medida em que o príncipe, que
sabia o que é ser príncipe, vira sapo, aprende o que ser sapo esquecendo o que
é ser príncipe e finalmente, sentindo necessidade de mudar novamente, quebra o
encanto e volta a ser um príncipe o autor metaforicamente nos mostra quão
importante é esquecer para aprender. A partir desta reflexão o autor conclui
com uma discussão sobre a importância da palavra, aprendida e esquecida, na
formação do indivíduo.
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