quinta-feira, 15 de abril de 2010

Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo?

Imagem:Vladimir Volegov

 Lição de filho 

Recebi uma lição de um de meus filhos, antes dele fazer 14 anos. Haviam me telefonado avisando que uma moça que eu conheci ia tocar na televisão, transmitido pelo Ministério da Educação. Liguei a televisão mas em grande dúvida. Eu conhecera essa moça pessoalmente e ela era excessivamente suave, com voz de criança, e de um feminino-infantil. E eu me perguntava: terá ela força no piano? Eu a conhecera num momento muito importante: quando ela ia escolher a "camisola do dia" para o casamento. As perguntas que me fazia eram de uma franqueza ingênua que me surpreendia. Tocaria ela piano? Começou. E, Deus, ela possuía a força. Seu rosto era um outro, irreconhecível. Nos momentos de violência apertava violentamente os lábios. Nos instantes de doçura entreabria a boca, dando-se inteira. E suava, da testa escorria para o rosto o suor. De surpresa de descobrir uma alma insuspeita, fiquei com os olhos cheios de água, na verdade eu chorava. Percebi que meu filho, quase uma criança, notara, expliquei: estou emocionada, vou tomar um calmante. E ele: -Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo? Você está tendo uma emoção. Entendi, aceitei, e disse-lhe: -Não vou tomar nenhum calmante. E vivi o que era para ser vivido. 

Clarice Lispector in Jornal do Brasil, 1968 

Há a tendência em se "patologizar" e "psiquiatrizar" os sentimentos de tristeza, enfraquecendo seu aspecto positivo, mesmo quando "os movimentos depressivos" fazem parte de uma elaboração psíquica 

 (Rocha, Fernando).

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