Arte de Beth Conklin
"Recentemente, um conhecido decidiu abolir todos os chamados "maus hábitos". Não fuma, não bebe, não dorme tarde, não toma refrigerante, não usa Facebook, WhatsApp, Snapchat ou Instagram, não ouve som alto, não fala palavrão. Vou chamá-lo neste texto de "Fulano".
Fulano, no alto de seus quase trinta anos, se converteu a uma religião
bastante tradicional e fervorosa, herança familiar. Nunca parou para ler
um livro inteiro desde os tempos de escola. Fulano rouba o sinal de TV
paga do vizinho. Fulano é contra a imigração e chama negro de
"escurinho" (sic). Fulano usa roupas caras, todas de marca. Algumas,
infelizmente, fruto de mão de obra escrava. Quando mais novo, Fulano
comprava droga direto da boca, no morro, na favela, na comunidade. Mas
Fulano é contra a legalização da maconha e acha que bandido bom é
bandido morto.
Fulano acha que ter pais separados é a receita pronta para o fracasso. Ele acha que toda mulher tem a obrigação de saber cozinhar e cuidar da casa, e vive criticando meu palavreado nada conservador. Fulano acha que a homossexualidade é imposição da mídia. Fulano me chega sempre com discursos prontos e mal pensados. Eu, neta de imigrantes, nascida em outro país, neta de negro, bisneta de índio e alemão, filha de mãe solteira, me recuso a dar ouvidos. Como boa nipônica, prefiro o silêncio ao grito esquizofrênico dos que nada têm a dizer.
Fulano não suporta o que é diferente de seu mundo inventado, dado pronto sem questionamentos ou entendimentos. Fulano me encontra e já não me olha nos olhos: ao seu ver, minhas ideias são deveras subversivas e ousadas. Fulano se fecha em seu casulo porque teme o que não sabe. Do que não entende, se protege com unhas e dentes. Do que não conhece, só é capaz de desprezar. Jogo os fatos na mesa e concluo: de igual, só nossa ignorância. O resto é múltiplo, variado, tem cores, nomes, sotaques, lugares, trejeitos, distâncias, costumes. Ainda bem.
Felizmente, no meu mundo a intolerância não se cria mais."
Melina Castro
Fulano acha que ter pais separados é a receita pronta para o fracasso. Ele acha que toda mulher tem a obrigação de saber cozinhar e cuidar da casa, e vive criticando meu palavreado nada conservador. Fulano acha que a homossexualidade é imposição da mídia. Fulano me chega sempre com discursos prontos e mal pensados. Eu, neta de imigrantes, nascida em outro país, neta de negro, bisneta de índio e alemão, filha de mãe solteira, me recuso a dar ouvidos. Como boa nipônica, prefiro o silêncio ao grito esquizofrênico dos que nada têm a dizer.
Fulano não suporta o que é diferente de seu mundo inventado, dado pronto sem questionamentos ou entendimentos. Fulano me encontra e já não me olha nos olhos: ao seu ver, minhas ideias são deveras subversivas e ousadas. Fulano se fecha em seu casulo porque teme o que não sabe. Do que não entende, se protege com unhas e dentes. Do que não conhece, só é capaz de desprezar. Jogo os fatos na mesa e concluo: de igual, só nossa ignorância. O resto é múltiplo, variado, tem cores, nomes, sotaques, lugares, trejeitos, distâncias, costumes. Ainda bem.
Felizmente, no meu mundo a intolerância não se cria mais."
Melina Castro
Nenhum comentário:
Postar um comentário