Arte de Ron Hicks
Por mais que o poder e o dinheiro tenham
conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes, o amor ainda
lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que
faça bater forte o coração e que justifique loucuras. Que nos faça
entrar em transe, cair de quatro, revirar os olhos, rir à toa,
cantarolar dentro de ônibus lotado.
Tem algum médico aí?
Depois que acaba essa paixão retumbante, sobra o
que? O amor. Mas não o amor mitificado, que muitos julgam ter o poder
de fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos: o
sentimento que temos por mãe, pai, irmãos, filhos e amigos. É tudo o
mesmo amor, só que entre amantes existe sexo. Não existem vários tipos
de amor, assim como não existem três tipos de saudades, quatro de ódio,
seis espécies de inveja. O amor é único, como qualquer sentimento, seja
ele destinado a familiares, ao cônjuge, ou a Deus. A diferença é que,
como entre marido e mulher não há laços de sangue, a sedução tem que ser
ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, Qualquer
alteração no tom de voz nos fragiliza, e de cobrança em cobrança
acabamos por sepultar uma relação que poderia ser eterna.
Casaram. Te amo pra lá, te amo pra cá. Lindo,
mas insustentável. O sucesso de um casamento exige mais do que
declarações românticas. Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo
teto, tem que haver muito mais que amor, e às vezes nem necessita um
amor tão intenso. É preciso que haja, antes de mais nada, respeito.
Agressões zero.
Disposição para ouvir argumentos alheios. Alguma
paciência. Amor, só, não basta.
Não pode haver competição, nem comparações. Tem
que ter jogo de cintura para acatar regras que não foram previamente
combinadas. Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, acessos
de carência, infantilidades, tem que saber relevar. Amar, só, é pouco.
Tem que haver inteligência. Um cérebro
programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições, demissões
inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina para educar
filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. Não
adianta, apenas, amar.
Entre casais que se unem visando a longevidade
do matrimônio tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância,
vida própria, independência, um tempo para cada um. Tem que haver
confiança. Uma certa camaradagem: às vezes fingir que não viu, fazer de
conta que não escutou. É preciso entender que a união não significa ,
necessariamente, fusão. E que amar, solamente, não basta.
Entre homens e mulheres que acham que o amor é
só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem
que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre, mas que
sozinho não dá conta do recado. O amor é grande mas não é dois. É
preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que
carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele
próprio não se basta...
Martha Medeiros
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