Arte Henri Matisse
“Haverá coisa mais
normal, mais banal, mais igual a todo mundo, mais previsível, que oferecer um
buquê de rosas? com um buquê de rosas estou dizendo: ‘você é igual a todas as
outras’. para todas as outras ofereci buquê de rosas. e todas elas disseram e
fizeram o que você fez agora. disseram: ‘que lindas’. e cheiraram as rosas. Mas
se eu desse um buquê de cebolas – que ela receberia com uma risada, sem cheirar
– ela saberia que eu lhe estava dizendo: ‘você não é igual às outras. você leu Pablo
Neruda!”. Claro que o pai dela ficaria furioso, tentaria me expulsar da casa,
por aquele gesto ofensivo, grosseiro. Cebolas são entidades malcheirosas,
culinárias, eu estava chamando sua filhinha de cozinheira. Coitado. Normal.
Literal. Via do jeito como todo mundo via. Estava de posse de sua razão. Não
lia Pablo Neruda. Só lia os jornais, via o Jornal Nacional, usava cueca branca,
pijama de bolinha, no restaurante sempre pedia o mesmo prato, não levava a
mulher ao motel, e fazia romaria a Aparecida. Comia tédio como gosto. Todo
mundo come. É o normal. E se
todo mundo come deve ser bom. Deve ser o jeito certo de viver. Vai também
morrer do jeito certo, sem nunca ter sentido o terror do vento frio batendo no
rosto quando se sobe nas alturas dos montes solitários."
Rubem Alves, em “cenas da vida”, referindo-se à “ode à cebola”, de Neruda
Link do “ode à cebola”
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