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Rompi minha crisália!
Agora sou uma borboleta feliz e ansiosa que fia com
urgência a sua história. Sei que a minha experiência é breve e preciso projetar
para o mundo o tempo em que hibernei.
No meu ciclo de larva eu já colhia tudo - a metamorfose
das cores, o vento necessário, a experiência do mel. Involuntariamente eu me
construia para o centro, sugava com as patas a seiva das plantas, me preparava
para o dia de voar. Mal podia supor que as minhas asas seriam essa tatuagem de
todas as formas, sobreposição de escamas cintilantes igual a um telhado suspenso
no ar.
Asas, minha enseada, minha perdição.
Acho mesmo que minhas antenas aguçadíssimas e os olhos
sensíveis ao som, vieram dessa minha vontade de ir sempre além.
É arriscado voar e é por isso que eu voo. Sou atraída por
novas montanhas e desconhecidas planícies - não posso esperar porque o tempo que
me pertence é uma única estação. Voo para estar na aventura do voo e voo também
pelas borboletas domesticadas que perderam a ousadia de voar. São asas que se
tornam apenas ombros, e "ombros suportam o mundo", como o poeta
escreveu.
Voo, voo sim!
Simples, a minha natureza é cheia de círculos, de quebra
planos, de espirais. Não tenho nada a ver com o voo em linha reta, sou
responsável por mim e pela aventura de outras borboletas. Afinal, voar,
simplesmente voar é com os pássaros, e inverter o rumo das coisas, migrar sem
descanso no horizonte da procura, é com as borboletas.
Por isso, a minha história, aconteça o que acontecer, só
deve valer a pena para quem sabe que toda a verdade é sempre um pedaço de uma
outra coisa e que o voo mais urgente é revolucionar os jardins.
Jorge Miguel Marinho
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