segunda-feira, 20 de abril de 2015

pousar é melhor do que dormir



 Arte de Yana Fefelova

"Meus pais têm um vocabulário próprio: matar o cachorro a grito, chorumela, nem que a vaca tussa, onde fui amarrar meu bode, chispa daqui, é dose para elefante, firme na paçoca.

(...) Sem perceber, acabei herdando uma das expressões. Incorporei uma das antiguidades familiares. Veio comigo e continua comigo.

Sobreviveu ao meu preconceito e minha ânsia de ser atual.
É a palavra pousar para dormir.
– Pousará fora?
– Onde vai pousar?
– Ninguém pousará em casa, estaremos viajando.

Acho que pousar é melhor do que dormir mesmo.

Tem mais sentido para mim.

Pousar também representa quando o sexo é amor.

Pousar é romântico. Pousar é renunciar o céu por um lugar definitivo. Pousar é aceitar que não podemos passar a vida ao vento. Pousar é descansar de longa viagem.

Pousar é tranquilidade, é mansidão, combina com ficar de conchinha, deitar de pés dados, cheirar o cangote.

Pousar é uma atitude que supera o descanso. É confiança. É se doar. É se decidir por um canto seguro e acolhedor. É se enraizar numa árvore.

Eu me imagino descendo do turbilhão dos acontecimentos, diminuindo o ritmo, distanciando-me da pressão do trabalho. E vou me acostumando com o silêncio, com a intimidade, com o travesseiro de penas.

Quando amo, não durmo com alguém, eu pouso com alguém.

Paro de voar. Desisto da altura pelo chão. A casa é ninho.

Quando amo, sou pássaro. Deixo de sofrer como homem."


Fabrício Carpinejar

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