Arte de Heather Barron
"Somos maniqueístas: acreditamos que o mundo se divide entre bons e
maus. Também acreditei nisso por algum tempo, até que passei a
questionar esse julgamento.
Quem seriam os bons? Pessoas
que nasceram com a alma limpa, abençoados por alguma loteria divina? E
os maus? Vieram ao mundo com a alma já podre, sem chance de recuperação?
Bons
e maus servem para classificar heróis e bandidos de cinema, num
simplismo que facilita a decisão sobre para quem devemos torcer. Mas não
é assim na vida. Claro que há muita gente maldosa no mundo, mas nem
sempre é por deformação congênita. Prefiro pensar que pessoas são
ignorantes ou cultas, e é isso que definirá suas atitudes e seu futuro.
Não
que uma pessoa culta não erre. Ela erra, e pior, tem consciência do
erro, o que a torna ainda mais passível de desprezo. Você já deve ter
pensado: como uma pessoa que estudou numa universidade e teve opções que
poucos têm de evolução profissional opta por roubar e até matar? A
avaliação de sua índole (ou de sua patologia) exige uma severidade maior
do que aquele que nasceu e foi criado ao léu, sem orientação, e que faz
o que faz em razão de seu vazio absoluto.
Em geral,
crianças que foram criadas num ambiente onde se privilegiou o acesso à
educação, à música, à literatura, à informação, à filosofia e à
psicologia (ou, mesmo na falta disso tudo, que foram criadas com ética)
saem em vantagem. Abraçam as diferenças com tranquilidade e enxergam o
mundo de forma mais ampla e generosa. Há grande chance de, quando forem
pais, não criarem filhos homofóbicos, inseguros ou necessitados de
muletas religiosas: a religião servirá como um conforto natural, não
como uma lavagem cerebral. O universo culto permite que conheçamos
várias alternativas e optemos pelo mais produtivo: agir de forma
responsável e serena, fazendo o possível para acertar.
A
ignorância, ao contrário, produz aflitos. Abandonados pela falta de
critério, de instrução, de respostas e de conhecimento, vivem de duas
formas: ou confinados num mundo “quarto e sala”, sem perspectiva e sem
diálogo com o universo lá fora, ou vão para a rua insanamente à procura
de algo que justifique sua existência, e não dispondo de nenhuma
transcendência que dê sentido à vida, agem por impulso e desespero:
terreno fértil para escolhas insensatas e, em grau mais elevado, para a
violência e crueldade.
Não acredito em bons e maus por
uni-duni-tê celestial. Acredito em gente que teve chance de crescer
através do amor e da educação, e gente que não recebeu os devidos
fundamentos de pais, avós e do próprio Estado. Fazem besteira por não
terem sido apresentados a outras vias de expressão.
Ao menos prefiro pensar assim, pois o inculto pode ser recuperado; o perverso, dificilmente."
Martha Medeiros
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